terça-feira, 22 de maio de 2012

Contra? Tô!

Esse texto foi elaborado a pedido de Lia Magalhães para o fanzine Polifonia (www.facebook.com/ZinePolifonia) com a temática "O Encontro". O trabalho visual é de autoria dela.



-          É cem reais.
-          Você vai querer receber antes, né?
-          Claro! Se não nem recebo.
-          Por esse preço rola tudo?
-          Só o básico, mas a gente pode combinar por mais...
-          Vamos ver...
-          Nada disso! Tem que pagar antes pelo mais também!
-          Então vai só o básico mesmo. Toma e tira a roupa devagar!

Esse foi o mais longo diálogo do encontro - se é que pode ser chamado assim. A lascívia dele era tamanha que ela sequer precisou fingir algum interesse. A bem da verdade, esse já havia sido satisfeito quando as notas amassadas lhe foram entregues logo no começo. Agora era só se fazer objeto. E foi exatamente assim. A serventia dela foi análoga à da camisinha. Ele passou a mão pelo corpo da mulher apenas como dando um ajuste para o que realmente importava. No íntimo, queria era causar repugnância, mostrar quem mandava ali (o que já era uma distinção em relação à camisinha - nisso mais bem tratada). Mas esse asco não a assolava havia muito. O coito veio. Durou pouco. No breve período, no entanto, ele se sentia cada vez mais próximo de exercer o que era sua própria vocação. Ela mal notava a diferença. Por fim, gozou, segurando-a por trás com punho firme puxando-lhe os cabelos. “Vadia”, soltou.

Mútua libertação?

Para ela, melhorou. Provavelmente ele ainda iria querer mais tão logo recobrasse sua libido. No entanto, por um momento, ela estava livre do seu encargo - liberdade que logo cessaria junto a uma carreira alva, mas não de todo cândida. E em breve haveria tudo de novo - cínico ciclo servil. Natural. O mundo feminino é uma montanha-russa puxada por seus próprios hormônios. E esse motor bem pode ser a causa de o sexo ser tão caro ao homem e muitas vezes apenas instrumental à mulher (no caso, um caminho ao pó). Afinal, testosterona também aumenta o apetite sexual feminino.

Ele já não estava tão contente. De alguma forma, sentia-se lesado. Não pensava nesses termos, mas lhe afligia passar anos - no raso, centenas de milhares - evoluindo em sentido traidor. Seu genótipo foi formado para sentir grande prazer no sexo, que não cobiça em ciclos, mas a qualquer momento. Agora, com a civilização formada, custa-lhe tanto o que deveria ser simplesmente natural. Uma única performance diária daria R$ 3.000,00 por mês. Seu contracheque não chegava a isso, e eram tantos os outros gastos... O neandertal só precisava de sua força superior, com a qual já nascia.

Em revolta, ele pediu para ser chupado. Ela disse que era bom que ele fosse rápido, pois já estava dando seu tempo. “Só depende de você”, falou-lhe.

Os juristas costumam se referir a contratos como encontros de vontades. Parece até que as vontades estão perdidas por aí, se esbarram, e vão viver felizes para sempre. No entanto, também qualificam essas vontades como contrapostas. O que uma quer é exatamente o oposto do visado pela outra. O comprador quer receber a coisa mediante entrega do dinheiro; o vendedor, receber o dinheiro mediante entrega da coisa. De certa forma, as vontades se opõem. Seria um digladiar, com uma efetivamente contra a outra? Parando para pensar, celebramos contratos o tempo todo: quando compramos uma casa, um carro, um pão; ao ir ao circo, à ópera, ao bordel... é inútil querer ser exaustivo. Na maioria das vezes, as duas partes até parecem felizes (“para sempre”, porém, não é exatamente a intensidade). Os contratos são os principais meios para promover a circulação de riqueza. Assim, quando se vê o resultado cotidiano desses encontros de vontade (a enorme concentração de riqueza - que se expressa opondo dominantes de um lado e dominados de outro) é de se pensar se a putaria não está espalhada pela porra toda.


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